A etapa mais difícil foi sair. Por mais que todo mundo diga que o mundo é assim e assado, lá na Casa você se sente protegida. (Maio de 2007)
CCB - Faz quanto tempo que você deixou de morar na Casa Crescer e Brilhar?
Taís - Dois anos.
CCB – E como está sendo?
Taís - No início deu muito medo de sair. Morei lá por muito tempo. Agora é continuar.
CCB – Você está estudando?
Taís – Terminei o Ensino Médio e pretendo prestar vestibular para Serviço Social, pensei em Psicologia, mas vai ser Serviço Social mesmo.
CCB – Alguém te influenciou. Conversa com o pessoal da Casa, orientação...?
Taís – Acho que foi influência da vida. Quando você sai da Casa sente vontade de continuar o que viu ali, de ajudar os outros, é assim que pretendo ajudar.
CCB – E o trabalho?
Taís - Estou no supermercado “Ao Fiel Barateiro” há dois anos. Saí da Casa e já estava empregada.
CCB – Como será conciliar trabalho e faculdade?
Taís – Será difícil né! Mas nada é impossível quando se tem força de vontade e garra.
CCB – Você fez parte de um grupo de teatro montado na Casa entre 1999 e 2000. Como foi a experiência?
Taís – Foi boa, uma coisa nova que me ajudou a perder a timidez, a conhecer melhor o grupo.
CCB – Você ainda tem contato com algum residente que integrou o grupo naquela época?
Taís - Pouco contato. É mais um “oi e tchau”. A única com quem falo às vezes é a Ana Carolina, mas e muito difícil, ela é minha amiga, mas moramos distantes e o dia a dia corrido não deixa muito tempo. Ela fala que é minha irmã (...)
CCB – É assim que vocês se tratam? Se cuidam?
Taís – Sim.
CCB – E com a Casa? Você ainda tem contato com o pessoal da Instituição?
Tais – Às vezes, sou sócia, mas não vou muito até lá. Prefiro ficar em casa quando não estou trabalhando. Tenho bastante contato com a Tia Odila, Tia Cláudia (...)
CCB – Como foi que você chegou na Casa?
Taís - Eu tinha 9 anos, fui morar lá por uma ordem da Justiça com minha irmã de 8 e meu irmão foi para o LAM. Saí da Casa com 19 anos.
CCB – E seus irmãos? Você tem contato?
Taís - Minha irmã tem um filho e mora em São Paulo, meu irmão também trabalha em São Paulo.
CCB – Então você ficou morando sozinha aqui em São Vicente?
Taís - Eu moro com uma colega que também saiu da Casa Crescer e Brilhar.
CCB – A expectativa de sair da Casa com 18 anos é muito grande?
Taís - Quando a gente começa a morar lá (na Casa Crescer e Brilhar) pensamos que nunca vamos sair que a hora de fazer 18 anos vai demorar muito.
CCB – O pessoal faz planos para quando sair da Casa?
Taís – Não tem planos. Aí é que está! Como você acha que vai demorar, surgem oportunidades para fazer um monte de coisas e você não faz nada, vai demorar mesmo. E tem mais, você fica achando que todo mundo (técnicos, voluntários) vai te ajudar para sempre.
A sociedade te oferece muito pouco. Acho que temos que agradecer a Deus o fato de existir uma Casa como essa, com pessoas que trabalham pelo teu crescimento, não é todo mundo que faz isso.
CCB – O que você diria para o pessoal que reside na Casa?
Taís - Quero dizer ao pessoal que está na Casa que aqui fora é um pouco difícil; infelizmente a sociedade te cobra muito, mas te dá muito pouco em troca, então a gente tem que aproveitar cada minuto como se fosse o último, cada oportunidade como se fosse a única. Aproveitem tudo de curso, estágios; o que bater na porta. E quando chegarem aos 18 anos, pense que esta etapa foi vencida.
CCB – Você é muito direta, parece tranqüila enquanto fala. Esse momento de sair da Casa foi difícil para você?
Tais - A etapa mais difícil foi sair. Por mais que todo mundo diga que o mundo é assim e assado, lá na Casa você se sente protegida, aqui fora por mais que você pense: “nada vai acontecer comigo”, se não andar pelo “caminho correto” (...)
Quando eu morava na Casa, sempre tinha alguém para defender quando aprontava uma besteirinha na escola, aqui fora, morando sozinha só tem você e você mesma. Tem que matar um leão por dia, se não fica sem ganhar teu salário, deixa de ser alguém de bem.
CCB - Você lembra de conversar com algum amigo da Casa sobre esses assuntos?
Taís – Não é uma questão de conversar, nós não percebíamos que trabalhar e viver fora da Casa era tão diferente. Alguns foram para a criminalidade ou por idéias de vida diferentes, mas tivemos chances.
CCB – Como assim? Cita um exemplo.
Taís – A Ana Carolina, por exemplo; tem três filhos. Não quero dizer que as crianças que viviam na Casa na minha época não estejam bem atualmente, não tenham dado certo na vida, foram escolhas diferentes. Quando você é criança e mora lá, pensa que nunca vai fazer 18 anos, não planeja as coisas, não aproveita as oportunidades. Pensa que nunca vai fazer 18 anos, eu já tô com 21. Por mais que você tenha um emprego, quando sai da Casa as coisas ficam difíceis. Eu mesma no início fui morar com a minha mãe, foi bem difícil.
CCB - Algo de bom em todas estas mudanças?
Taís - Tu cresces, mas no começo se sente insegura, para crescer tem que ser assim. E vai pensar, não tem mais Tia Célia, mais ninguém para fazer comida pra mim. (...) Pro pessoal da Casa também aprender a fazer as coisas mais simples, aprendam a fazer um arroz, feijão. Aprendam uma profissão.
CCB – Existe uma crise dos 16 anos, parece que os residentes ganham certa consciência de que a hora de sair da Casa está chegando e ficam revoltados nessa idade.
Tais – Não é revolta, entrei com 9 anos, saí com 19. Foram 10 anos morando lá. De fato, quando fiz 17 entrei em parafuso! Sair da casa significava ir morar com a minha mãe. Mas como dizer isso para uma menina que nunca morou com a mãe? Que, “entre aspas”, nunca teve uma família. Na verdade eu tinha uma família enorme; éramos 40 pessoas, com os Tios (monitores) quase 50. Pensei, agora vai reduzir, seremos eu, minha mãe e meus irmãos. Será legal.
CCB- E foi?
Taís - Não. Fiquei mal. Parecia que estavam me tirando da minha família de verdade, deu muito medo. Mas foi preciso para que pudesse andar com meus próprios pés.
CCB – Alguma a dizer para a equipe da Casa. O que está achando site?
Taís - Está bom, foi bom vocês abrirem um espaço para as experiências de quem saiu da Casa. Vi a entrevista com a Carla, agora sou eu, acho que vocês também deveriam entrevistar aqueles que tiveram outras trajetórias de vida, filhos, casamento. Eles também fazem parte de tudo isso.
Tais