Tenho que agradecer a Deus que estou viva e com saúde, enquanto muita gente não tem; seja feio ou bonito é o que Deus me deu. (16 de Janeiro de 2008)
Site da Casa: Você lembra da idade com que foi morar na Casa Crescer e Brilhar?
Lígia: Foi em 1998 eu tinha 12 anos.
S.C.: Quanto tempo morou lá?
Lígia: Foram quase 6 anos.
S.C.: Como foi para você morar na Casa?
Lígia: Era bom, ótimo, melhor impossível.
S.C.: Você tinha amigos na instituição? Tem contato com eles ainda hoje?
Lígia: Bastante, tínhamos nossas confusões, mas éramos amigos. A única que vejo é a Tais. Uma vez ou outra a Flávia e a Ana Carolina.
S.C.: Parte do papel da entrevista é o de mostrar aos residentes atuais as experiências de quem morou e saiu da Casa Crescer e Brilhar para trabalhar, estudar ou constituir família. Como foi para você deixar de morar lá?
Lígia: Foi difícil, tive que morar com meu esposo e na época ele não podia trabalhar com carteira assinada, pois estava para entrar no quartel e prestar serviço militar. Eu tinha deixado de trabalhar e estava com licença maternidade.
S.C.: Onde você trabalhava?
Lígia: No Camp. Morávamos com minha sogra. Tivemos muitos momentos de dificuldades, quem sempre nos deu apoio foi o pessoal da Casa, inclusive a Tia Célia.
S.C.: Atualmente você trabalha não é?
Lígia: Sim, depois de alguns meses consegui um emprego como Auxiliar de Merendeira e moro aqui na Escola Saint Hilaire como Caseira. Meu esposo trabalha no quartel.
S.C. E a rotina? Cuidar da casa, do filho e de você mesma.
Lígia: Isso foi difícil, acostumar a cuidar de tudo.
S.C.: E cozinhar você já sabia quando saiu da Casa?
Lígia: Aprendi com a Tia Neusinha, fazer feijão, bolo e etc. Ajudava na cozinha e me sentia privilegiada, o pessoal ia para casa de parentes e padrinhos e eu ganhava as coisas gostosas da cozinha. Uma vez fiquei de castigo, não podia sair da Casa para ver o meu namorado e ele foi lá me visitar. Tia Neusinha fritou batata; foi gostoso, ficamos lá conversando e comendo batatinha eu, meu namorado, que hoje é meu marido e o Adilson (outro residente). Eu ficava cantando na cozinha.
S.C: Cantava que tipo de música?
Lígia: Bruno e Marrone, sertanejo (Risos). Tia Neusinha dava risada. Tia Neide me levava no hospital para consultas de rotina. Lembro de tudo com muito carinho, foi um pedaço da minha vida que caiu, nós tínhamos tudo na mão. Hoje vejo que aquilo que você deseja, para conseguir só tem você para realizar, ninguém vai te fazer nada.
S.C. O que você gostava de fazer quando morava na Casa?
Lígia: Gostava muito do teatro com o Tio Anguair e Tia Mirella, de trabalhar nos eventos que a Casa fazia; quermesses, festas na praia. Gostava de dançar, assistir TV, passear e lógico; quando ia aos finais de semana para casa da Tia Célia.
S.C. Mas essas foram as coisas boas e aquelas que não foram tão agradáveis?
Lígia: Sempre tive quem me apoiasse nos momentos de rebeldia, todo adolescente passa por isso. Tias Célia, Neide, Neusinha, Odila. (...) Tia Rosa psicóloga, Tia Solange, Maria Rosa (...) Todos que trabalharam e que trabalham lá.
S.C.: Tem alguma coisa que viveu ou aprendeu na Casa que hoje passa para o seu filho?
Lígia: Na época eu era muito nervosa, passei a ser mais paciente, queria resolver tudo no grito. Acho isso uma conquista e tento passar pra ele.
S.C.: Em 2000 você fez uma borboleta na montagem de Chapeuzinho Vermelho que fizemos no teatro. Como foi a experiência do palco?
Lígia: Foi boa, eu tremia muito na hora da apresentação, o medo naquela situação era ótimo, você aprende a lidar com as pessoas. Fiz um papel de louca em uma peça da Igreja, o teatro ajuda agente a se desinibir em situações de trabalho e tudo mais.
S.C.: E planos pro futuro? Trabalhar mais, voltar a estudar?
Lígia: Estudar tá difícil, tenho que trabalhar e cuidar do meu filho, da casa, mas eu e meu marido fazemos planos para quando ele passar no concurso da Polícia Militar.
Tenho quase tudo o que sonhei para minha vida, faltam coisa materiais; casa própria, um carro. Queria mesmo era poder ajudar meu pai (...) querendo ou não, ele é pai. Eu e meu esposo sonhamos coisas para dar um futuro melhor para nosso filho.
S.C.: Uma ou mais dicas para quem mora na Casa e está saindo. O que fazer ou não fazer?
Lígia: As vezes falo para o meu marido que não quero sofrer hoje o que passei. A vida é cheia de altos e baixos, aprendi que não dá para ficar sempre no alto.
As dificuldades são de ordem financeira, espiritual (...) Se naquela época eu tivesse aproveitado melhor as oportunidades que tive, quem sabe poderia estar bem melhor do que hoje. Tenho que agradecer a Deus que estou viva e com saúde, enquanto muita gente não tem; seja feio ou bonito é o que Deus me deu. O fato de acordar respirando é uma oportunidade que tenho todos os dias de melhorar. Mas aí vão as dicas: (Risos).
Que estude bastante, o que aparecer pela frente. Que aprenda a cozinhar com a Tia Neusinha.
Que saia de lá e tenha o seu lar com um emprego e a vida resolvida para trazer orgulho para a Casa Crescer e Brilhar. Lembrem que os tios cuidaram da gente o tempo todo e depois a pessoa se envolve em coisas erradas!? Deve ser triste para o pessoal da Casa. Lembrar de dar orgulho para todos.
S.C.: Algo mais?
Lígia: Sinto falta de muita gente, mas principalmente da minha mãe; da sensação de ter uma amiga, companheira.